terça-feira, 11 de setembro de 2007

Em um pequeno armário na quina da sala bem abaixo de um quadro eu guardava as minhas folhas em branco, jogadas em uma bagunça, antigas letras que deixei escapar, alguns bilhetes de telefones, outras cartas que já nem me interessa os remetentes, papeis e mais papeis, recortes de jornais. Dentro de todo aquele baú de memórias, procurando folhas em branco, encontrei uma folha amarelada, com letras escritas a mão quem sabe tinta bic. Era uma pequena carta com versos do Kerouac que em algum dia não pude entregar.



Jack KerouacPoema 230, de México City Blues.

O amor é o cemitério populoso da podridão.
O leite derramado dos heróis.
Destruição de lenços de seda pela tempestade de pó.
Carícia de heróis vendados presos nos postes.
Vítimas de assassinatos aceitas nesta vida.
Esqueletos trocando dedos e juntas.
A carne trêmula dos elefantes da gentilezasendo despedaçada pelos abutres.
Concepções de rótulas delicadas.
Medo de ratos espalhando bactérias.
A Fria Esperança da Gólgota pela Esperança do Ouro.
Úmidas folhas de outono contra o casco dos barcos.
As delicadas imagens de cola do cavalo-marinho.
Morte por longa exposição à desonra.
Seres assustadores encantadores ocultando seu sexo.
Pedaços da essência de Buda congelados e fatiados microscopicamenteem morgues do norte.
Pômos do pênis a ponto de semear.
Mais gargantas cortadas que grãos de areia.
Como beijar minha gata na barriga.
A suavidade de nossa recompensa.

Suspirei no silencio que castigava... Só poderia está falando para ela...
Ela se vestia de jeans depois de ouvir um velho som, seus tênis, sua boca sem batom, caminhava no asfalto (nem sei no que pensava). Tinha o mesmo charme de uma loja de vinil, tanta literatura e cultura. Cervejas e seu gosto de creme dental me excitando com sua língua, e gosto de nicotina dos tragos em meu cigarro. Ela me sorria, chorava, se calava, eu sabia que ali vivia as emoções, ela era toda minha humanidade, acertos e fracassos. Não sabia se a chamava de femme fatale, de anjo, de puta, de feiticeira, de paixão ou simplesmente pelo seu nome. Um velho amigo eremita uma vez me olhou nos olhos e disse “todas as tuas outras mulheres um dia foram suas filhas, esta é sua única amante" Isso eu nem sabia! Mas se um dia foi colombina, cortesã, camponesa em outra encarnação, pouca me importava, naqueles dias ela era minha.
As duas da tarde poderia ser, as três, as oito da noite. No frio tímido da cidade, na cerveja gelada, no seu abraço me pedindo para lhe guardar. Ela era minha, tatuada em meu peito, sem medo de errar lhe desenhei lentamente em detalhes por toda a historia da minha vida que irei carregar até o meu ultimo suspiro (e se agora eu pudesse escolher que fosse entre as suas pernas em uma noite quente de nosso calor em outro inverno distante depois de sorrir, fumar um cigarro, outro bom cigarrinho e suspirar de amor). Quando a via atravessar a rua, em minha direção, lembrava de erótica musa grega amada por todos os poetas, arranhava seus tênis, fazia barulho no jeans da calça com seu rebolado, me amava ao me abraçar, me amava ao me beijar, me amava quando dizia que fui estúpido e não era para ser daquela forma. Lembro de como ela era bela e como me surpreendia com sua beleza nua espontânea, que nem a Brgitte Bardot nos cinemas fazendo “E Deus criou a mulher” conseguia ser tão adolescente, sexy e descontraída. As vezes pousava para as minhas lentes oculares castanhas de junker que eu queria comer no fim da noitada, de princesa presa em seu castelo querendo ser salva, de mulher intocável de olhar severo para a criancinha que se instalava em mim. Pois ela era minha estrada, foram as curvas que me aventurei em caronas no meio do que um dia já havia sido deserto de amor, era o barulho, era o cinza e o arco-íris da metrópole, era companheira, parceira, chapa, velho, "bicho", foi minha namorada e minha menina, foi o único amor que conseguiu entrar em mim Foi toda minha noite urbana com chuvas e pileques, foi quem me fez sorrir.

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